sábado, 19 de junho de 2010

"Ouvir, argumentar, decidir"

O candidato do PSDB à Presidência da República diz que o loteamento de cargos no governo do PT turbinou a corrupção e dá sua receita de governabilidade sem clientelismo


Eurípedes Alcântara e
Fábio Portela


Nenhum outro político brasileiro tem no currículo uma vida pública como a de José Serra, 68 anos, candidato do PSDB à sucessão de Lula. Jovem, presidia a União Nacional dos Estudantes (UNE) quando veio o golpe de 64, que o levou ao exílio, expatriação que duraria até 1978. De volta ao Brasil com diploma de economia no bolso, foi secretário do Planejamento, deputado constituinte, senador, ministro do Planejamento e da Saúde, prefeito e governador. Sobre Dilma Rousseff, ele diz: "Hoje me choca ver gente que sofreu sob a ditadura no Brasil cortejando ditadores que querem a bomba atômica, que encarceram, torturam e matam adversários políticos, fraudam eleições, perseguem a imprensa livre, manipulam e intervêm no Legislativo e no Judiciário. Isso é incompatível com a crença na democracia e o respeito aos direitos humanos".

O senhor já enfrentou todo tipo de adversário em eleições, mas, desta vez, a se fiar nas palavras do presidente Lula, vai concorrer com um "vazio na cédula", preenchido com o nome de Dilma Rousseff. Afinal, quem é seu adversário nesta eleição?

Só tenho a certeza de que não vai ser Lula, cujo mandato termina no próximo dia 31 de dezembro. Adversários são todos os demais candidatos à Presidência da República. Por trás dos nomes na tela da urna eletrônica há a história, as propostas e a credibilidade de cada um. Minha obrigação é me apresentar aos brasileiros sem subestimar nem superestimar os demais. Deixemos que os eleitores julguem. É muito bom que os candidatos sejam diferentes entre si
e também em relação aos presidentes que já deram sua contribuição ao Brasil. A beleza da vida está justamente em cada um ter seus próprios atributos.

Depois que os repórteres da sucursal de VEJA em Brasília desvendaram uma tentativa de aloprados do PT de, uma vez mais, montar uma central de bisbilhotagem de adversários, as operações foram desautorizadas pela cúpula da campanha. O senhor responsabiliza a candidata Dilma Rousseff diretamente pelas malfeitorias ali planejadas?


Só cabe lamentar e repudiar as tentativas de difusão de mentiras, de espionagem, às vezes usando dinheiro público, às vezes usando dinheiro de origem desconhecida, como em 2006. São ofensas graves e crimes que ferem até mesmo direitos básicos assegurados pela Constituição brasileira. Isso não é honesto com o eleitor. É coisa de gente que rejeita a democracia. A candidata disse que não aprova esse tipo de atitude, mas não a repudiou, não pediu desculpas públicas nem afastou exemplarmente os responsáveis. Essa reação tímida e a tentativa de culpar as vítimas fazem dela, a meu ver, responsável pelos episódios.

Por que para a democracia brasileira é positivo experimentar uma alternância de poder depois de oito anos de governo Lula?


Querer se pendurar no passado é um erro, não de campanha, mas em relação ao país. Eleição diz respeito ao futuro. Por isso, a questão que se coloca agora aos eleitores é escolher o melhor candidato, aquele que tem mais condições de presidir o Brasil até 2014. Eu ofereço aos brasileiros a minha história de vida e as minhas realizações como político e administrador público. Ofereço as minhas ideias e propostas. Espero que os demais candidatos façam o mesmo, para que os brasileiros possam comparar.

Como o senhor conseguiu governar a cidade e o estado de São Paulo sem nunca ter tido uma única derrota importante nas casas legislativas e sem que se tenha ouvido falar que lançou mão de "mensalões" ou outras formas de coerção sobre vereadores e deputados estaduais?


Em primeiro lugar, é preciso ter princípios firmes, não substituir a ética permanente pela conveniência de momento. É vital ter e manifestar respeito à oposição, ao Judiciário, à imprensa e aos órgãos controladores. Exerci mandatos de deputado e senador durante onze anos. Todos os que conviveram comigo no Congresso sabem que minhas moedas de troca são o trabalho, a defesa de ideias e propostas, o empenho em persuadir os colegas de todos os partidos e regiões. O segredo está em três palavras: ouvir, argumentar, decidir. Há o mito de que emendas de deputado são sempre ruins. Não são. Na maioria das vezes, elas visam a resolver ou aliviar problemas reais que afligem as pessoas de sua região. Portanto, atender os deputados segundo critérios técnicos é atender seus eleitores. Outra coisa fundamentalmente diferente é distribuir verbas ou cargos em troca de votos. Isso eu nunca fiz e nunca farei.

O PT fez?


Fez. Cito como exemplo as agências que criei quando fui ministro da Saúde, a Anvisa e a ANS. Sabendo como eu atuo, nenhum parlamentar, nem mesmo os do meu partido, sequer me procurou em busca de alguma indicação. Eles sabiam que não teriam êxito. E qual é a situação agora? O atual governo loteou totalmente as agências entre partidos, fatiando-as entre grupos de parlamentares e facções de um mesmo partido. A mesma partilha se abateu sobre os Correios e sobre a maioria – se não todos – dos órgãos públicos. O loteamento foi liberado e se generalizou. Essa prática é uma praga que destrói a capacidade de gestão governamental e turbinou como nunca a corrupção. Mais ainda, a justificativa oferecida foi a de que se tratava de "um mal necessário" para garantir a governabilidade. Se eleito, vou acabar com isso à base de um tratamento de choque.

Por que criar um Ministério da Segurança Pública e como ele atuaria exatamente no combate ao crime, que, no atual regime federativo, é uma atribuição estadual?


A segurança é um problema em todos os estados. Portanto, é um problema nacional. O governo federal e o presidente, que é o chefe do governo, não podem mais fingir que o problema da segurança está equacionado. Não está. Segurança é um dos três grandes problemas do Brasil. Temos de enfrentá-lo. O Brasil não pode continuar a ter 50 000 homicídios por ano. É um número escandaloso. Apenas o crescimento econômico não arrefece os criminosos. O Nordeste é um exemplo disso. A região experimentou um crescimento expressivo, mas a população sofre com a explosão da criminalidade. Só a Presidência da República reúne as condições para coordenar uma ação nacional da magnitude que o problema exige. Precisamos criar um SUS da segurança. O Ministério da Segurança será o símbolo e a ferramenta dessa prioridade. Com ele, estou dizendo o seguinte: brasileiros, vamos encarar o desafio para valer, vamos resolver essa situação. Esse será meu compromisso como presidente.

Falando em federação, como concertar com os governadores uma reforma tributária em que ninguém se sinta lesado ou pagando a conta?


É menos complicado do que parece, e nem é necessário mexer na Constituição. Para começar, é preciso aprovar uma lei que preveja que os impostos sejam explicitados nos preços das mercadorias. Isso aumentará a consciência das pessoas a respeito da carga tributária. Em São Paulo, fizemos uma lei para criar a Nota Fiscal Paulista, um instrumento de grande sucesso através do qual 30% do imposto estadual sobre o varejo é devolvido aos contribuintes, com crédito direto na conta bancária. Vamos criar a Nota Fiscal Brasileira, para devolver parte dos tributos federais. A reforma que farei vai aliviar a carga tributária incidente sobre os indivíduos, desonerar os investimentos, simplificar a formidavelmente complexa estrutura de tributos atuais. Além disso, restabeleceremos a neutralidade em relação à distribuição de recursos. É uma proposta coerente.

Segundo o folclore, o senhor seria seu próprio ministro da Fazenda, seu ministro do Planejamento, seu presidente do Banco Central e seu ministro da Saúde...


Nossa! É folclore mesmo. Quem trabalha ou trabalhou comigo sabe que não centralizo a administração, que dou grande autonomia às diferentes áreas. Fixo metas, objetivos, acompanho, cobro, mas nunca imponho nada exótico ou irrealista. E mais: tenho grande capacidade de ouvir.

Como seria a política econômica em um eventual governo Serra? Qual é o perfil ideal para o cargo de ministro da Fazenda?


A manutenção da estabilidade é inegociável. Isso significa manter a inflação baixa. Com a combinação dos regimes fiscal, monetário e cambial, caminharíamos sem rupturas para um ambiente macroeconômico cujo resultado inevitável seria a trajetória descendente dos juros. Uma taxa de juros menor é, aliás, condição para atrair mais investimentos privados destinados à infraestrutura, sem ter de dar os subsídios que hoje distorcem o processo. Quanto mais alta a taxa real de juros, maior é a taxa interna de retorno exigida pelos investidores privados em infraestrutura. Para compensar o juro alto, o governo é obrigado a dar subsídios.

E o perfil do seu ministro da Fazenda?


É preciso ganhar a eleição primeiro. Mas sempre cuidei de reunir à minha volta, na administração e no Congresso, pessoas preparadas, prudentes, com reconhecido espírito público. Escolho gente experiente, com senso prático e desapegada de doutrinas – ou que, pelo menos, prefere acertar abandonando suas convicções acadêmicas a errar por fidelidade a elas. No governo federal, será desse mesmo jeito. Precisarei ter comigo auxiliares que entendam que a política econômica é um processo político também. Na política, para fazer com que as
coisas aconteçam, você tem de se equilibrar sobre o fio da navalha. É uma eterna balança entre paralisar-se por se aferrar a certas concepções ou abandoná-las de vez e se perder no caminho. Isso fica claro na negociação política. É menos evidente mas tão válido quanto na condução da política econômica.

Dê o exemplo de um economista que preencha os requisitos acima, a quem o senhor admire e com quem ainda não trabalhou.


Olhe lá! Não estou fazendo nenhuma nomeação antecipada. Mas teria muitos exemplos. Um deles? O Arminio Fraga, como perfil. Sabe economia, é pragmático, não doutrinário. Soube navegar em mar revolto e deu enorme contribuição à estabilidade econômica do país ao instituir o regime de metas de inflação.

Por que no Brasil, apesar do enorme destaque atual no cenário da economia mundial, a discussão de política econômica é sempre revestida de ansiedade, como se vivêssemos em um estado permanente de emergência?


O instantâneo da economia brasileira é realmente bastante satisfatório. Não diria o mesmo sobre o filme. Ou seja, se não forem corrigidas a tempo, as distorções atuais podem se desenvolver de maneira desfavorável. Essa é uma questão complexa que, infelizmente, talvez não possa ser tratada da maneira que merece em um clima de campanha, muito menos no escopo de uma entrevista. Mas, a título de fazer refletir, sugiro que se comece por responder a certas questões. A saber, por que razão o Brasil tem a maior taxa real de juros do mundo, a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento e é lanterninha nas taxas de investimento governamental do planeta? Por que o suado dinheiro dos contribuintes brasileiros não está sendo bem aplicado em investimentos na infraestrutura econômica e social que garantam o crescimento sustentado da economia? É evidente que há um problema com esse modelo. É essa a discussão que precisa ser feita no Brasil.

O que o senhor faria para consertar esse modelo?


Tenho experiência para equacionar as principais questões, a partir do primeiro dia de trabalho, caso eleito. Não existe uma bala mágica, um golpe que bem aplicado resolva todos os problemas. Isso exige um leque de ações coordenadas e bem planejadas, muitas das quais citei aqui e tenho exposto em fóruns e seminários. Minhas passagens pelo Executivo federal, estadual e municipal me permitem afirmar que, para começar, na saúde, mesmo sem gastar muito mais do que é gasto hoje, seria possível fazer uma revolução com resultados positivos a curto prazo. Na educação, logo no início do governo, trabalharia para atingir a meta de abrir 1 milhão de novas vagas em escolas técnicas de nível médio em todo o país, com cursos de duração variada e vinculados à vocação econômica de cada região e localidade. O Brasil tem pressa e precisa aproveitar o ciclo da economia mundial altamente favorável aos países emergentes. Temos de aproveitar o empuxo desse ciclo e emergir dele com uma economia moderna, exportadora de produtos de alto valor agregado, produzidos aqui por uma mão de obra sadia, preparada e consciente de que para ela o futuro chegou.

Publicado originalmente na Veja - 19/06-2010

http://veja.abril.com.br/230610/ouvir-argumentar-decidir-p-019.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário