João Pereira Coutinho
Caetano Veloso publicou um texto nesta Folha ["A paz que eu não quero?, caderno "Ilustríssima", 8.nov] e a polêmica rebentou. Nele, Caetano confessa que não volta mais a Israel e que agora está do lado palestino no intratável conflito entre judeus e árabes. Para os críticos do cantor, eis uma posição "antissemita".
Se as palavras ainda significam alguma coisa, em nenhum momento do texto encontrei essa aversão criminosa a judeus (como um todo) que define um verdadeiro antissemita.
Pelo contrário: confrontado com radicais palestinos que defendem a eliminação de Israel, a atitude de Caetano é sempre a mesma. Distância. Caetano Veloso não se esquece dos "loucos" que também existem do seu lado das barricadas.
O texto do músico relata apenas a experiência pessoal de quem visitou a Cisjordânia e não gostou do que viu. Eu também já visitei a Cisjordânia e não gostei do que vi.
A questão relevante, porém, não passa por gostar ou não gostar. Passa por entender como e porquê se chegou até aqui. Ou, por outras palavras, por que motivo não é possível trocar território por paz?
A resposta é simples, mas trágica: porque, historicamente falando, a parte árabe sempre recusou essa troca. Ainda durante o mandato britânico, depois da Primeira Guerra Mundial, foram várias as tentativas para uma divisão da Palestina entre os povos que já a habitavam sob dominação turco-otamana.
O filme foi repetidamente o mesmo: aceitação judaica, recusa árabe. E, se assim foi durante o mandato britânico, assim continuou com o Plano de Partição das Nações Unidas (1947) e até, ironia das ironias, com o fim da Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando a Cisjordânia foi ocupada.
Sobre essa ocupação, importa dizer três coisas que Caetano talvez desconheça.
Primeiro, que o conflito de 1967 tornou-se inevitável ante os planos do egípcio Nasser para riscar Israel do mapa.
Segundo, que ela não era terra palestina; desde a guerra de 1948, a Cisjordânia estava ocupada pela Jordânia, da mesma forma que Gaza estava sob ocupação do Egito. Curiosamente, ou talvez não, os palestinos nunca se mostraram muito combativos contra essas ocupações de terras que eram suas.
E, terceiro, que Israel tentou a devolução dos territórios desde que os seus inimigos árabes aceitassem a paz, o reconhecimento e as negociações com Israel.
Os inimigos árabes, chefiados por Nasser, preferiram reunir-se em Cartum, capital sudanesa, em cimeira que ficou para a história como a "Cimeira dos Três Nãos": não à paz, não ao reconhecimento e não às negociações.
Hoje, a ocupação continua porque, entretanto, Israel conheceu um novo episódio traumático: em 2005, o premiê Ariel Sharon retirou as tropas unilateralmente de Gaza, acreditando que esse primeiro passo levaria a um segundo. A retirada da Cisjordânia.
Será preciso lembrar a Caetano Veloso o que aconteceu em Gaza depois da retirada israelense e da vitória eleitoral do Hamas –um grupo terrorista que, na teoria e na prática, defende a total destruição de Israel? E que passou a usar Gaza como rampa de lançamento de foguetes para o interior do Estado judaico?
O fim da ocupação da Cisjordânia foi adiado "sine die", não por opção de Israel –mas porque os radicais deixaram Israel sem opções.
Caetano Veloso ama Tel Aviv, mas declara que não tenciona lá voltar. É um direito que lhe assiste.
Mas talvez seja importante lembrar que a cidade é esse Rio de Janeiro banhado pelo Mediterrâneo não por causa da ocupação –mas porque é a mais judaica das cidades judaicas.
Fundada em 1909 por emigrantes judeus –ainda a Palestina era parte do Império Otomano–, ela expressa o tipo de cosmopolitismo e familiaridade que não se encontra nas capitais islâmicas da vizinhança. Capitais de países onde democracia, respeito pelos direitos humanos ou igualdade entre os sexos são produtos raros.
Seria uma pena que Caetano Veloso, um homem inteligente, trocasse Tel Aviv por Damasco, Teerã ou Riade.
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Escritor português, é doutor em ciência política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português.
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